Wednesday, February 14, 2007

Do Lixão

Pedras rolantes não criam limo. E elas rolaram por solos cariocas, há exatamente um ano atrás. Assim como as pedras e riffs, que rolaram do palco montado na praia de Copacabana, muita areia resolveu criar asas e voar naquela noite quente de fevereiro. Disto, no entanto, tenho a certeza da própria pele como constatação. E foi em meio à revolta alheia e muitas garrafadas na cabeça, que curti o show de Sir Jagger e os “maracujás de gaveta” Ron Wood, Keith Richards e Charlie Watt, naquele longínquo verão de 2006.
Como a grande maioria de fãs cariocas (não vips), busquei com sacrifício um bom lugar para curtir o espetáculo, tarefa cujo grau de heroísmo, mediante as dificuldades, se tornou cada vez mais elevado. De minuto em minuto, era atrapalhado por selvagens urros de ambulantes, que berravam mais alto que Jagger, ao oferecer suor, cuspe, cerveja “long néti” a “dois real” e o que mais tivessem em seu atroz repertório.
Mas tudo bem. Fim do primeiro tempo de adaptação com o ambiente local, e da primeira trinca de musicas, com Jumping Jack Flash, It`s Only Rock n`Roll e You Got me Rockin. Resolvi então me deslocar, já que o som não gritava como o esperado, o que dava uma atmosfera fria ao espetáculo, apesar das imagens eletrizantes no telão e aditivos involuntários em meu cérebro.
Parti rumo ao centro do terreno numa arrancada ligeira, me desvencilhei de marcadores inflexíveis, que a cada passo tentavam impedir meus próximos dribles e jogadas. Mas como discípulo dos “dentuços”, consegui me safar, em busca de realizar meu gol de placa. Deparei-me então com um simpático contêiner de lixo, e foi do alto deste adorável objeto metálico e mal cheiroso, que curti de maneira fétida, porém agradável, a tão aguardada apresentação dos Stones.
Por culpa de uma forte exaltação de meu sentido olfativo, a música seguinte, Wild Horses, me fez refletir profundamente de como os tais cavalos selvagens de Jagger, por mais que livres de qualquer tratamento higiênico-veterinário, deveriam ser muito mais bem cheirosos do que o monte de merda humana ao qual estava depositado os meus pés. Analisei, também, cuidadosamente meu passado, e pude recordar da maneira idiota com que sempre desviei dos cagalhaços verdes espalhados pelas estradas da vida.
Resolvi, então, abstrair desta idiota comparação e curtir uma das mais belas musicas dos Stones. Daí pra frente o show foi espetacular. Rain Fall Down, música do mais recente e ótimo disco, A Bigger Bang, soou como um divertido clássico. Acompanhei a banda navegar por cima da área vip, em sua plataforma, e disparar clássicos do blues/rock como Brown Sugar, Midnight Rambler, e um surpreendente cover de Ray Charles. A partir daí, os sessentões ingleses partiram pro ataque e mostraram suas mais poderosas armas. Arrasaram com, Start me Up, o clássico satânico Simpathy for the Devil, e, a já desbotada, Satisfaction, no encerramento.
Aos 62 anos, Mick Jagger deu uma aula de como se comporta um “frontman”, assim como Iggy Pop, ano retrasado, na cidade do Rock. Jagger, no entanto, tem no seu repertório músicas de qualidade e pegada arrasadoras, e guitarras executadas sensacionalmente por Keith Richards e Ron Wood, ambas dando aval, mais do que suficiente, a seus rebolados e disparates corporais.
Tudo saiu nota dez para o dvd dos Rolling Stones, que até hoje não saiu. Um mar de gente os ovacionava a cada acorde introduzido. Um cenário deslumbrante, com barcos ao mar de um lado, e o Copacabana Palace iluminado do outro. Era o registro de uma atmosfera perfeita para uma festa pré-carnaval carioca.
Foi meu primeiro, e talvez único-último show dos Stones, por este motivo celebro esta missa-textual-católica, como forma de me lembrar de minha finada alma embebida pelas melodias stonnianas. Foi inesquecível curtir o grupo que, ao lado dos Beatles, revolucionou a música rock e a ofereceu de maneira contestadora ao mundo. Por mais que alijado da condição de vip e exilado a cem metros do palco, como bom carioca, improvisei meu restrito camarote-lixão, e valeu muito por este inusitado show.
No entanto, é triste perceber o quanto o Rio perde prestígio a cada ano. Coldplay e Aerosmith estão escalados apenas para fazer seus shows em São Paulo, assim como ocorreu com as apresentações do Oasis e U2, no ano passado. Restam-me, ao menos, boas lembranças de Jagger e Cia., e esperar, que o filho bastardo de "Mick e Iggy", Scott Weiland, suba ao palco do Claro Hall, à frente do Velvet Revolver, e despeje no público suas loucuras, trejeitos e o megalomaníaco Los Angeles Way of Life.

1 Comments:

Blogger Luiz Felipe Reis said...

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7:37 AM  

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