Friday, January 26, 2007

Ben Harper

O que representa um single, um simples disco ou mesmo a tentativa de lançar um duplo (Both sides of the gun), para a música de Ben Harper? Mais do que imprevisível, sua musicalidade infinda nos faz perceber que não há maior castração do que aprisioná-la em formatos convencionais de produção musical. Sua alma só deve e pode ser apreciada verdadeiramente, ao vivo. Seu canto, sua força e magnificência instrumental é um mar de possibilidades. Junto com o Innocent Criminals, Harper escolhe qualquer direção, e sempre está no caminho certo. A rota certeira da emoção sincera e pungente.
O show de ontem a noite fez o caipira e surfista gente fina, Donavon Frankenheiter, tornar-se um ser tão diminuto como qualquer um de nós, que resolve pelo acaso de um dia ensolarado pegar um violão e cantar algo doce para fazer uma graça com a namorada. A sensação da “galera do surf”, que ao entrar no palco era ovacionado, se tornou um simples garoto, que como eu cantava Beatles e tra lá lá. O fato curioso é que para 80% das pessoas que foram ao show, a divisa entre o que representa Donavon e Harper, era talvez percebida pelo fato de um ser negro e o outro branco, ou talvez que Harper toque sentado uma guitarra estranha, enquanto o bicho-grilo toca guitarra em pé. Para a maioria, os dois são ícones do surf music. Aquilo que simplificado, é um cara que toca uma viola e canta canções gostosinhas e assobiáveis.
Ao fundo da casa, uma legião de patricinhas gritava umas com as outras. Ajeitavam seus cabelos, conferiam modelitos, cochichavam e pululavam o ambiente. Flutuantes em seus vazios existenciais e tão desconectadas com a emoção e o sentimento que transbordava do palco, era constrangedor observar a torta platéia hip-chic.

O SHOW!
Enquanto gravava seu último trabalho, Both Sides of the Gun, Harper revelara ter encontrado um sentimento até então desconhecido: a ausência total de medo. E é assim que ele se comporta artisticamente. Não há regras para sua música, ela é tão funk, soul, reggae, pop e rock, que é muito mais Harper do que qualquer outra classificação. Balanceando o set list com canções de maior pegada como “Black rain” e a delicadeza de “Omen Amen”, Harper conduziu um verdadeiro “baile à fantasia”.
Com um vitral de igreja projetado em um imenso telão, Harper deixa de lado o microfone, pede para que a banda pare de tocar e que a platéia faça silêncio. Seus gritos exorcizantes, acapella, em “Where could i go” deixam a platéia atônita. Vemos com nossos próprios olhos um garoto e seu cantar gospel, sozinho na penumbra de uma igreja norte-americana. Sua musicalidade instintiva navega solta pelas imediações da casa, que abriga realmente um espetáculo.
A situação é espantosa. A profundidade de sentimento e talento do “super-astro invisível” é tão grande que sua música simplesmente se expulsa de seu corpo. Sua voz flui tão forte que uma multidão se fez entregue em meio a um silêncio arrebatador. Todos hipnotizados, enquanto Harper sussurrava baixinho seus versos, melodias e improvisos vocais. Magnetismo irreal, de alguém que não precisa nem da genialidade de sua guitarra para penetrar nas profundezas emocionais da platéia.
A versão ao vivo de “Waiting for you” soou ainda mais emocionante do que a registrada no álbum, enquanto a redentora “Better way” transformou o Claro Hall em uma verdadeira selva, e fechou o show da melhor forma possível. A tribalidade sonora da percussão de Leon Mobley e os gritos expugnantes de Harper engoliam e canabalizavam a platéia para dentro de seu universo. Depressão e euforia, a vida completa transbordava das notas inumanas de Harper e dos slaps e flicks do baixista Juan Nelson. Este, por sua vez, roubava vez por outra o show. Seu cantar doce e postura leve, nos confundia a todo instante. Como um humano toca um treco de quatro cordas com tamanha leveza e potência
? Percebe-se que o instrumento se chama Nelson e que um objeto chamado baixo é passarela que conecta sua alma ao mundo. “With my own two hands”, “Diamonds on the inside” e o cover de “Get up, Stand up”, que teve participação do rapper judaico Matisyahu, foram os clássicos mais esperados e que obtiveram do público as melhores reações. Emocionalmente perfeito, tecnicamente algumas questões poderiam ter atingido 100% de eficiência. Avisem ao camarada da mesa, que Harper e suas maravilhosas guitarras Weissenborn e Asher, não precisam de tanto volume, e, que Nelson a partir de hoje, o irá atemorizar eternamente, espantando seu sono com estrondosas linhas de baixo.

O Poder da Criação

“A música me ama,
Ela me deixa fazê-la
A música é uma estrela
Deitada na minha cama
Ela me chega sem jeito,
Quase sem eu perceber
Quando dou conta e vou ver,
Ela já entrou no meu peito
No que ela entra a alma sai,
Fica o meu corpo sem vida
Volta depois comovida,
Eu nunca soube aonde vai
Meu olho dana a brilhar,
Meu dedo corre o papel
E a voz repete o cordel,
Que se derrama no olhar
Fico algum tempo perdido,
Até me recuperar
Quase sem acreditar,
Se tudo teve sentido
A música parte, e eu desperto
Pro mundo cruel, que aí está
Com medo de ela não mais voltar,
Mas ela está sempre por perto
Nada que existe é mais forte,
E eu quero aprender à medida
De como compõe minha vida
Que é para eu compor minha morte...”
P. C. Pinheiro

Thursday, January 25, 2007

No jardim de Sia

Escrevo as linhas abaixo sem motivo aparente (ou seja, um discaço), mas sim por três maravilhosas canções, que dão subsídio existencial ao novo álbum do duo britânico Zero 7, "The Garden".
O som segue a linha downtempo bastante apreciada pela rapaziada cult-descolada, que se alastra por estas bandas e novos tempos tal qual a velocidade de uma fruição espírita em processo de recebimento.

Mas o fato é que as melodias suaves e climas lo-fi deste álbum funcionam, e como. O disco exige e instala no ouvinte o famoso principio psicossomático do relaxamento auricular. Seja para madrugadas de reflexões reveladoras ou agradáveis fins de tarde, sob raios gélidos do sol de lá pras 18:30.

“Futures”, primeiro single, abre o disco com os vocais de José González amaciando nossos tímpanos e tirando aquela sujeirinha. Logo em seguida “Throw it all Away” começa a revelar o que de mais belo "The Garden" nos reserva, os vocais de Sia Furler. Tudo na canção é sutil, dos solos de bandolim às pulsações redondas do baixo.

“The Pageant of the Bizarre” (motivo n°1), é tão sensual quanto Scarlet Johanson, musa de Woody Allen e de 99,3% dos carecas de plantão. Sia, portanto, assume o papel de musa musical do momento e me estraçalha a cada intervenção com o poder de seu vocal rasgado na medida certa, numa combinação perfeita de sensualidade, rebeldia e algumas doses a mais de seja lá o que for.

“This Final Social Scene” (motivo n°2) conta com os preciosos gritos orgásticos de Sia, a catarse instrumental promovida pelo duo (Sam Hardaker e Henry Binns) e ensolarados arranjos vocais, que reverberam ao lado de instrumentos eletrônicos, guitarras e pianos. O álbum, no entanto é irregular e necessita volta e meia de um tapa na orelha, que é justo afirmar, chega quase sempre na hora certa e nos impede de apertar o botão do símbolo quadrado.

O que se nota, é que toda vez que os vocais de Sia se desenlaçam naturalmente as canções ganham proporções de beleza e sensibilidade. É quando o ouvinte, por sua vez, começa a enxergar a beleza escondida pela atmosfera fria e despretensiosa deste álbum. Como num fim de tarde chuvoso de domingo (daqueles dias em que o tédio faz nossos olhos descobrir a riqueza de detalhes da parede de nosso quarto), "The Garden" passa sua atmosfera isolacionista e nos envereda em uma viagem calmamente instigante.
Suas canções são como bolhas de espuma e flutuam sinuosamente, sem destino e intenção. Apenas inebriam, chamam a atenção de ouvidos sonolentos e nos provoca sensação de cuidado. Sim. Cuidado, para que não destruamos suas frágeis e belas estruturas antes da hora, e, que possamos observar-las absortos enquanto desfalecem em desfechos instrumentais inesperados e tristonhos.

É chegada à hora de lhes dizer por que este álbum faz uma lavagem de cotonetes Johnson & Johnson! Não quero falar do que me emociona nessa canção. Não. Isto desprenderia muito tempo, análises que remeteriam infância, adolescência, sentimentos de perda e aquela saudade esquisita do que não se viveu.
Só peço que ouçam, “If I Can`t Have You” ( O MOTIVO). Desfecho romântico, poético e revitalizante, assim como as canções do Zero 7 devem soar. Se “When It Falls” é considerado, pela rapidez dos tempos, um clássico cult, “The Garden” é menos pretensioso, mais simples e internalizado, já que apenas Sia e Gonzáles são os convidados.

“Agora é com vocês,
mas avisem ao duo inglês,
que em festa boa penetra não tem vez...

E avisem Sia,
que outrora se escondia
Meus ouvidos não mais vivem sem tuas doces melodias...”

É não resisti...

Confira:
www.myspace.com/zero7official